A Constituicão Federal consagra em seu artigo 5, LVII o principio da
presunção de inocência (ou não culpabilidade), estabelecendo que ninguém
será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal
condenatória.
Trata-se de um dos mais importantes institutos do ordenamento jurídico
brasileiro, garantindo a proteção da dignidade humana, na medida que
impede que alguém seja considerado culpado sem um julgamento pautado no
contraditório e na ampla defesa, que devem ser observados até o
encerramento do processo. O princípio em questão é um instrumento
limitador ao poder estatal.
No contexto jurídico internacional a garantia de presunção de inocência
também pode ser observada no artigo XI da Declaração Universal dos
Direitos Humanas, artigo 8.º, n.º 2 do Pacto de San José da Costa Rica e
no artigo 14, 2 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e
Políticos.
Nesse sentido, não é dever do acusado provar sua inocência, que deve
ser presumida em caso de dúvida, mas sim dever de quem acusa provar a
autoria. Ademais, o silêncio do acusado jamais pode ser interpretado
como indício de culpabilidade, mas sim como garantia de autodefesa.
Não é de hoje que observamos casos de grande repercussão nacional nos
quais a mídia, ao abordar o assunto, trata o acusado como se já fosse de
fato um condenado e como se sua culpa tivesse sido comprovada. Foi esse
o observado, por exemplo, nos casos do casal Nardoni, goleiro Bruno e
recentemente no caso da chacina da Brasilândia, na cidade de São Paulo,
na qual se tem atribuído a autoria da morte dos pais, da avó e da
tia-avó ao garoto de 13 anos Marcelo Eduardo Bovo Pesseghini, que depois
teria se suicidado.
No caso do jovem Marcelo Eduardo, o garoto não está mais presente para
arcar com as consequências das acusações precoces por parte da polícia e
da grande mídia nacional, mas o casal Nardoni já havia sido
nacionalmente condenado pela mídia antes mesmo de ser judicialmente
condenado, bem como o goleiro Bruno, que ainda não foi julgado.
Tanto a polícia quanto a mídia certamente deveriam tratar casos
semelhantes, em que não há confissão do crime, de forma mais cautelosa,
primando pela garantia da presunção de não culpa. Não cabe à polícia, à
mídia e tampouco à sociedade julgar antecipadamente crime algum e
apontar para um ou outro acusado como autor do fato.
Cabe à polícia investigar os fatos, cabe à mídia informar a sociedade,
porém respeitando direitos constitucionalmente garantidos aos acusados,
bem como procedimentos formais. A tarefa de julgar é do poder
judiciário, e somente após o trânsito em julgado de sentença
condenatória é que um acusado pode ser considerado culpado por uma
imputação.
Sem adentrar no mérito do caso, o que se pode observar no recente caso
de Marcelo Eduardo Bovo Pesseghini foi um total desrespeito aos
procedimentos formais que deveriam ser observados pela polícia, uma
desordem generalizada na cena do crime, que não foi preservada da
maneira adequada, havendo informações que antes da chegada da perícia
havia cerca de trinta policiais no interior da casa, o que notoriamente
não colabora na preservação de uma cena de crime.
O artigo 6º do Código de Processo Civil estabelece categoricamente em
seu inciso I que logo que tiver conhecimento da prática de infração
penal a autoridade policial deverá dirigir-se ao local providenciando
para que não se alterem o estado e a conservação das coisas até a
chegada dos peritos criminais. Pelas informações trazidas até o momento
não foi o que pudemos observar no caso da chacina da Brasilândia.
Ainda que não esteja mais vivo, a família do jovem Marcelo Eduardo Bovo
Pesseghini tem o direito de ver preservada a honra do garoto. Nesse
contexto, é imprescindível que tanto a polícia quanto os veículos de
comunicação abordem não apenas esse, mas também eventuais casos futuros,
de maneira mais técnica, menos sensacionalista e condizente com os
direitos dos acusados e suas famílias, tendo em vista que vivemos em um
Estado Democrático de Direito no qual a Constituição Federal, como lei
suprema, deve ser respeitada por todos, inclusive e principalmente pelo
próprio poder público, de modo a evitar abuso de direito.
Por: Roberta Raphaelli Pioli (advogada)
Fonte: Última Instância
Por: Roberta Raphaelli Pioli (advogada)
Fonte: Última Instância